Nesta novela, cuja acção se situa no Ribatejo de 1971, entrecruzam-se em planos sobrepostos uma multiplicidade de histórias de amor, enquanto se captam as tensões sociais de uma região e de um país em plena evolução da matriz agrária no sentido da industrialização e da concentração urbana – Lisboa e os seus subúrbios parece que engolem os homens que sobejam da guerra em África e da emigração.
A história de amor adolescente entre Luz, a órfã vinda do Norte para uma herdade da Chamusca, e Lourenço, o misterioso rapaz “de olhos de falcão e coração de toiro” por quem ela se apaixona, é-nos apresentada pelo velho maioral de toiros, a quem serve, no fim de vida, de contraponto ao seu próprio amor de juventude, pela noiva que o traiu e abandonou, e que foi o único amor e o grande desgosto da sua vida de “viúvo que nunca casou”.
Estes amores, romântico um e trágico o outro, confundem-se na narrativa com esse outro amor, entre a lezíria e o Tejo que a um tempo a assola e a fecunda, e que aos Povos da Borda d’Àgua traz miséria e fartura em vagas sucessivas.
A novela lê-se num jacto, escrita que está numa linguagem simples, acessível a um público a partir dos doze anos. Para o leitor ribatejano, tem o atractivo de personagens e cenários se situarem na região. O maioral é do Pombalinho, a sua noiva do Vale de Santarém, os amores de Luz e Lourenço passam pelas Fazendas de Almeirim, pela Valada ou pela Ilha Verde, na Ribeira de Santarém… A obra faz memória de antigas casas ganadeiras, como a Casa Terré, ou a de David Luziello Lopes, entre um sem número de pormenores regionalistas.
Mas a maior história de amor encontra-se, claramente, no enlevo com que o autor aborda as paisagens, os costumes, as gentes desse Ribatejo de 1971. Apesar do estilo delicado e enxuto, as páginas vibram do orgulho e do encantamento do autor pela sua terra:
“Eram horas da janta, e a companhia desfazia-se, cada qual partindo em demanda das sopas, para adentro da noite que, entretanto, envolvera a lezíria num deslumbre tinto de profundidades de azul, alumbrado de luar e fúlgido de estrelas… tantas estrelas! Mais cintilantes que quaisquer outras nessa noite oriental, fulguravam em Toiro as Plêiades do Sete-Estrelo”; ou “Era o canto profundo das cigarras, a essa hora despertas para o céu azul da lezíria, para o mistério fundo e telúrico da hora mais escura da noite cerrada, dessa hora em que as próprias Tágides soltam a límpida plangência do seu canto, e desatam ao vento os seus cabelos húmidos de mágoa e feridos de sal.”
Deste se pode dizer que é, tanto pelo fundo como pela forma, um livro bonito – para mais lindamente ilustrado pela igualmente scalabitana Prof. Doutora Clara de Brito. Fácil de ler, um enredo cuja simplicidade é apenas aparente, pois que o mistério se adensa em torno, por exemplo, das relações entre a protagonista e o marido da sua tutora, da identidade do rapaz e de um possível complot para o eliminar, ou do sucedido entre o maioral e a noiva que o traiu.
Mistérios que a novela sugere e deixa à imaginação do leitor resolver, semeando pistas que a cada leitor, conforme a sua própria sensibilidade e intuição, hão-de guiar para que construa, em cumplicidade com o autor, um enredo à sua medida.
Mistérios que encontrarão continuidade na sequela, anunciada para o final do ano, o romance histórico “Os Crimes do Maioral”, cuja acção atravessará a Santarém de 1833, capital de D. Miguel I, acompanhando as lutas entre as guerrilhas miguelistas e a situação, a Grande Guerra e a Epidemia da Pneumónica, a Revolta de Santarém em 1917 – aí entrando o maioral na história –, as Grandes Fomes de 1918 e 1919, e daí até à vaga de frio de 1971. Protagonizada pelos mesmos personagens e traçando um retrato mais extensivo, por um lado, do Ribatejo e da vida lezirã e por outro das lutas liberais e da resistência monárquica ao Salazarismo – temas porventura insuficientemente conhecidos da história do nosso país e da nossa região e que o autor trabalha minuciosamente e com autêntico rigor, com base na tradição oral, na sua vivência familiar e convívio de toda a vida com antigos combatentes da monarquia, e na sua experiência de investigador e professor universitário no domínio científico da História das Ideias Políticas.
NOTA BIOGRÁFICA DO AUTOR
Rui Falcão de Campos nasceu em Santarém, em 1960. Desde muito novo mostrou inclinação para a escrita: publicou os primeiros versos (nas páginas do Correio do Ribatejo), em 1968 e em 1969 viu a sua primeira peça de teatro ser levada à cena no Ateneu Cartaxense.
Formado em humanidades e direito, exerceu advocacia – com intervenção em casos tão mediáticos com a defesa de um dos réus absolvidos no Processo da Casa Pia, a defesa e exoneração do jornalista angolano Rafael Marques – tendo representado várias empresas do Fortune 500. Trabalhou como investigador de crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Foi ainda perito dos programas da ONU para o Desenvolvimento e para o Ambiente, tendo trabalhado em vários países africanos e nos Balcãs.
Foi também professor universitário, em várias universidades portuguesas e estrangeiras, ensinando, entre outras matérias, Direito Internacional e História das ideias Económicas e Políticas.
Poliglota, escreve em castelhano, catalão, francês, italiano e inglês, além do português. Tem obra publicada em francês, italiano e português. O seu livro mais recente é a colectânea de poesia “A Morte do Samurai”, publicada em 2018. Em 2017 publicou “Tra Gioia e Paura”.
Tem também vasta obra publicada como libretista e letrista. A banda de rock progessivo búlgara Bee in the Bonnet publicou em 2014 um disco com letras suas em francês e inglês, intitulado “In Other Words – Acoustic”. A compositora romena Luana Ioannou, titular da cadeira de Composição Musical do célebre Conservatório de Atenas – o Athenaeum – colabora regularmente com Rui Falcão de Campos, quer no domínio da música erudita, quer musicando e interpretando poemas seus em várias línguas.
“O Rapaz que Sorri aos Toiros – uma novela ribatejana” é o seu primeiro livro de ficção. Para o final do ano está anunciada uma sequela, na forma de romance histórico, passado entre os anos de 1833-1971, intitulado “Os Crimes do Maioral”.
No hay comentarios:
Publicar un comentario